BLOG DO ALVO

GERAÇÃO KICHUTE

Sou do tempo do Kichute. Os mais jovens talvez nem sabem o que é isso, mas a galera com mais de 40 anos hoje certamente se lembra. Era o nosso calçado de cada dia, que mudava de configuração somente na forma de amarrar o cadarço. Durava muito e só era trocado em menos de uma no em duas situações: furo na sola (na parte de cima dava para remendar) ou crescer o pé (nesse caso  a mãe dava umas apertadas nos dedos do pé para ver se não dava MESMO para esperar mais um pouquinho). 

Não conheço ninguém que tenha ficado traumatizado nem precisou fazer terapia por causa disso. A máxima consequência era a de não prover a precisão desejada durante a pelada no intervalo das aulas.

A geração Kichute cresceu, estudou, foi ganhar a vida. Boa parte virou classe média. Casaram, tiveram filhos. O Kichute preto, amarrado no calcanhar, deu lugar aos tênis de marca global, cada vez mais caros. Os filhos, felizmente, poderiam usar coisa melhor. Não só nos calçados, mas também para todo tipo de bens de consumo. Claro, o mundo mudou. Graças a Deus por isso.

O curioso é essa ideia a que nos obrigamos, de dar a nossos filhos, a qualquer custo, “tudo o que não tivemos”. Mesmo que não precisem. Mesmo que não seja o momento. Mesmo que não seja o melhor para eles. Mesmo que seja preciso sacrificar outros valores. Aliás, o que realmente queremos dizer por “fazer o melhor” por nossos filhos?  Dar a eles tudo o que não tivemos” é a melhor resposta?  Não seria melhor oferecer a eles alguma coisa do que TIVEMOS? Tempo com os pais, brincadeiras ao ar livre, amigos que frequentavam nossas casas, valores familiares, morais e sociais, respeito pela autoridade etc. etc.? 

A nossa mania de compensação está levando toda uma geração que não sabe quanto custa um botão, mas decide o que comprar, onde comer, o que comer, a hora de dormir, quanto tempo passarão na internet. Tudo, enfim. São tratados como príncipes – mesmo que estejam longe do palácio. 

Invertemos os papeis – incutindo neles, mesmo sem perceber, a ideia de que eles estão sempre no comando. Crescem achando que não podem ser contrariados (príncipes não o são…). Vivem numa bolha, não conseguem cuidar de si mesmos (porque fazemos fila dupla na porta das escolas para que não precisem andar 30 metros). 

Ainda bem que não é preciso mais usar Kichute. É sempre bom evoluir, ter bom gosto, fazer escolhas, progredir na vida. Não se trata disso. Só quero pensar se o nosso melhor é realmente o melhor.